De acordo com o mais recente Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei, existem hoje no Brasil 12.041 adolescentes cumprindo medida de internação (o que representa um crescimento de 4,5%), seguidos de 3.934 em internação provisória e 1.728 em cumprimento de semiliberdade. É absoluta a prevalência de adolescentes do sexo masculino em situação de cumprimento de medida socioeducativa. O índice é de 94,94%.
Para o promotor de Justiça da Infância e Juventude, Antonio Domingues Farto Neto, que há anos trabalha nessa área, o ECA trouxe como grande novidade a municipalização das ações na área da infância e juventude. "Tanto que criou o Conselho Tutelar, que não existia antes, e o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) por entender que a criança mora no município antes de morar no Estado e no país. A ideia do legislador é que para se formar uma rede de proteção em torno da criança e do adolescente teria de se municipalizar as ações", afirma.
Farto Neto foi o defensor aqui na cidade de um sistema de integração entre as entidades responsáveis pelo atendimento ao menor e que vem funcionando, se não em sua totalidade, pelo menos já conseguiu unificar o sistema de boa parte das instituições. É a chamada "ficha eletrônica", que tem como objetivo compartilhar as informações obtidas dos menores em situação de vulnerabilidade social entre as instituições que o atendem. "Venho tentando construir a integração dessa rede no município. O que posso dizer é que avançamos bastante na questão da rede de proteção. Hoje, por exemplo, Sorocaba tem uma legislação bem avançada, com mais de 90 artigos", acrescenta, referindo-se à Lei Municipal 8.627/2008, que regulamentou o funcionamento dos Conselhos Tutelares. Aqui na cidade, por exemplo, os conselheiros devem ter curso superior.
O promotor lembra que Sorocaba conta com grande apoio do Núcleo de Acolhimento Integrado de Sorocaba (Nais), instituição que atende adolescentes que cometeram infrações de menor potencial ofensivo antes mesmo do encaminhamento ao Ministério Público. "A entidade realiza um atendimento multidisciplinar para que o adolescente não seja mais marginalizado do que já se colocou. Então uma equipe vai atendê-lo nesse primeiro momento. É uma importante intervenção que visa prevenir para que ele não pratique atos mais graves. Duvido que exista uma qualidade de atendimento melhor que o Nais em qualquer cidade do Brasil", afirma.
Passos para o amadurecimento
A rede de proteção ao menor, em Sorocaba, ainda apresenta algumas falhas que devem ser melhoradas, aponta o promotor Farto Neto, como por exemplo a integração do Conselho Tutelar, que ele estranha ainda estar de fora do "ficha eletrônica", e o investimento financeiro nas instituições de apoio. "Não temos um Orçamento Criança. A estrutura montada sobrevive do Fundo Municipal dos Direitos da Criança, com destinação de parte do imposto de renda pessoa física e jurídica, que é voluntário, e a maioria das pessoas e empresas não faz essa destinação".
Sorocaba também necessita de uma clínica de internação em caráter emergencial para menores de 18 anos. "Estou trabalhando muito para isso. A única coisa que sou contra é fazer investimentos na área com a finalidade de marketing político. A questão é como direcionar corretamente os recursos. Foi criada uma Secretaria da Juventude ao invés de fortalecer o que já existe. Se não houver o básico, que é o fortalecimento da rede, vamos sofrer consequências negativas, ou seja, cada vez mais jovens com atos infracionais, aí teremos de ter mais e mais vagas na Fundação Casa. Isso passará a incomodar a sociedade, que pode acabar se enveredando para uma luta a favor da redução da maioridade penal", diz Farto Neto, que é a favor da ideia.
Redução da maioridade
O promotor - que recebe todos os casos de infração cometidos por menores em Sorocaba - afirma que hoje está convencido de que a redução da maioridade penal acarretaria num impacto positivo para os adolescentes de todas as classes sociais. "Saber que pode ser preso geraria uma mudança de comportamento. Estamos há 21 anos tentando implantar a rede de proteção e ainda está precário e o jovem de hoje já é muito diferente de quando o ECA foi pensado. A Fundação Casa está no limite, em outros Estados tem adolescente preso em delegacia. Então temos de nos preocupar em salvar os adolescentes de 16 anos para baixo, precisamos reduzir a maioridade penal, aí a consciência dos jovens terá de mudar", acredita.
Questionado sobre os benefícios que muitos menores infratores acabam tendo em detrimento de outros que nunca cometeram nenhum ato de infração mas não têm oportunidades de fazer cursos, entrar em uma faculdade ou mesmo conseguir um emprego, o promotor mostra um outro lado da questão: "Os melhores sempre merecem uma oportunidade. Temos de construir uma sociedade de meritocracia. De certa forma todos têm o direito de estudar. Não vejo excesso de oportunidade para o jovem internado. Na verdade quem está na Fundação Casa passa por uma peneira. Observo os casos em que há recuperação e os que não há, existe sim ali a vontade de se recuperar, o apoio da família. As oportunidades de emprego vão surgir nas mãos dos que merecem mais, não acho que é injusto com relação ao jovem que não praticou o ato."
Para o promotor, o ECA continua sendo uma das legislações mais avançadas do planeta para a proteção da criança e do adolescente. "Poucos países têm uma legislação tão avançada na área da infância e juventude, mesmo assim acredito que três pontos poderiam ser objeto de revisão".
Além da redução da maioridade penal, que comentou anteriormente, o ECA deveria regulamentar a questão do poder familiar. Conforme o promotor, para os jovens ficou a impressão de que eles podem fazer o que quiserem e os pais não podem fazer nada. "Uma das coisas que precisa ser revista é a lenda de que houve perda da autoridade dos pais. O ECA não tirou a autoridade, houve uma confusão nisso, mas o ECA deveria deixar mais clara a autoridade que os pais têm sobre os menores de 18 anos. O ECA não deixa claro que se o filho desobedecer determinada ordem do pai, como por exemplo não deixar ir a uma festa de madrugada, que esse pai pode chamar o Conselho Tutelar", esclarece.
Ainda de acordo com Farto Neto, essa questão do poder familiar está no código civil, por isso, acredita, o ECA não o detalha. "Os pais têm autoridade sobre seus filhos e o Estado não pode interferir nisso, mas não fica claro como proceder. É uma lacuna e criou-se uma impressão errada."
O terceiro ponto que precisa ser revisto no ECA, para Farto Neto, é o da maternidade e paternidade responsável. Se o menor é flagrado em ato de infração, apenas ele é punido, não é cobrada uma responsabilidade maior dos pais por isso. "Tem de ser os dois lados, tanto o resgate da autoridade dos pais quando a responsabilidade. Sempre que se atribui um direito tem uma obrigação."
Nenhum comentário:
Postar um comentário